Existem duas linhas de motivação para as mudanças que vem sendo observadas para redefinir o conceito de capital: O combate às mudanças climáticas e à enorme desigualdade na distribuição das riquezas do planeta. Podemos dizer que estamos em uma encruzilhada na evolução econômica na qual os agentes privados precisam colocar em prática uma visão de propósito com inovação para ir além da simples ideia de acumulação de capital.
A passagem da visão de capital acumulativo para um capitalismo regenerativo vem sendo acompanhada de um arcabouço legal e financeiro, ainda que não mandatório, que, por sua vez, traz uma nova consciência para ações por parte das organizações e é neste sentido que a discussão global em torno da COP 27 assume um protagonismo que precisa chegar até a busca de propósitos e ações a nível privado.
Não quero aqui ampliar demais este conceito, porém, focar no impacto sobre as organizações com base no conceito que John B. Fullerton e John Elkington desenvolveram a respeito de capitalismo regenerativo. Vejamos, antes, como ambos os autores definem capitalismo regenerativo:
John Elkington – Os cisnes verdes apontam para o futuro, para um capitalismo regenerativo que ofereceria um progresso exponencial na forma de criação de riqueza econômica, social e ambiental. É um conceito que substitui o tripé da sustentabilidade, lançado por ele há 25 anos e que, ao longo do tempo, teria se tornado, em sua interpretação, um mero item do balanço das empresas (1).
John B. Fullerton – É um modelo para corrigir as injustiças no cenário econômico que envolve todos os stakeholders, além dos acionistas, como a comunidade e o planeta (2).
Neste sentido, na medida em que os economistas desenvolveram o pensamento econômico estudando como produzimos mais eficientemente os recursos, porque não avaliar o uso deste recursos como parte de um sistema que precisa ser eficiente mas também preservado ? Fullerton diz que, como um sistema vibrante e de vida longa, uma economia regenerativa precisa ser desenhada para funcionar de forma integrada, não apenas valorizando cada parte individualmente, mas empoderando cada uma e, deste modo, fortalecendo a confiança entre stakeholders (participantes). Entretanto, como repensar a ideia de retorno eficiente do capital financeiro dentro desta ótica ?
Com estas preocupações em mente, as Nações Unidas estruturaram os chamados “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (3)”, que consistem em um conjunto de metas acordadas pelos 193 países membros da ONU, visando ao desenvolvimento sustentável do planeta a longo prazo como uma tentativa de integrar o capital a uma visão de uma sociedade mais justa.
Nesse meio tempo, em 2004, apareceu o termo ESG (environmental, social and governance, no termo em inglês) que corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização, publicado em um relatório do Pacto Global da ONU juntamente com o Banco Mundial, chamado Who Cares Wins (4) como uma forma de integrar os fatores sociais, ambientais e de governança na avaliação financeira.
Ao conceito de ESG e ODS, se alinha também a preocupação com os riscos climáticos cujas bases vem sendo trabalhadas desde a década de 70 com a Conferência de Estocolmo em 1972 e, a partir daí, em uma longa etapa que passou por acordos como Convenção do Clima e a Convenção da Biodiversidade, em 92, o Protocolo de Kyoto, em 1997, substituído em 2015 por um acordo mais amplo, o Acordo de Paris (5).
Neste momento, na Conferência das Partes (COP) 27, no Egito, novas negociações serão conduzidas para avançar nos compromissos de financiamento para mitigação e adaptação aos riscos das mudanças climáticos, detalhamento das regras e procedimentos em relação ao mercado de crédito de carbono e a busca de maior engajamento dos países quanto as ambições para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, ou seja, diálogo, transparência, o engajamento e o aperfeiçoamento contínuo de acordos, movimentos que podem ser transportados do ambiente macro (global) para o micro (indivíduos e empresas).
É necessário reconhecer, entretanto, que existem uma série de barreiras vindas do passado e ainda fortemente presentes que dificultam a integração entre os fatores ESG devido ao forte impacto de uma visão de curto prazo e na dúvida do como se quer chegar ao final deste processo. Ainda assim, como na discussão do clima entre países, leva-se tempo e estudos para estabelecer uma meta e acordos, mas, os passos são dados para que a cada ciclo estes possam ser revistos e ampliados.
Em suma, o que se busca é a aliança entre o retorno econômico e o propósito, tornando a empresa consciente de suas responsabilidades e da necessidade de iniciar um processo para buscar novas formas de agir, de criar produtos, trazer negócios inovadores de forma que o capital atue dentro de uma rede de conexões como parte de um ecossistema. Aliás, a palavra ecossistema tem origem no grego Oikos (casa) e σύστημα sýstema ‘o conjunto’ ‘o conectado’), assim como economia (oikos – casa e nomos – , regra, administração), ou seja, o que se discute em relação ao que pode ser feito pelo planeta, o nosso condomínio global, tem reflexos e nos torna conscientes do que pode ser feito para casa.
Falarei mais a respeito em próximos artigos e como é possível iniciar este ciclo.
(2) Regenerative Capitalism: How Universal Principles And Patterns Will Shape Our New Economy. John Fullerton – Abril 2015
(4) https://documents1.worldbank.org/curated/en/280911488968799581/pdf/113237-WP-WhoCaresWins-